sexta-feira, 4 de abril de 2025

UMA LIÇÃO DE LAO TZU

 


75. GANÂNCIA
 
As pessoas estão famintas.
Os ricos devoram impostos,
é por isso que as pessoas estão famintas.
 
As pessoas revoltam-se.
Os ricos oprimem-nas,
é por isso que as pessoas se revoltam.
 
As pessoas mantêm a vida barata.
Os ricos tornam-na muito cara,
é por isso que o povo a mantém barata.
 
Mas aqueles que não vivem por viver
valem mais do que os que procuram a riqueza.
 
Lao Tzu, in "Tao Te Ching", versão comentada de Ursula K. Le Guin, trad. Paulo Borges, Farol, Outubro de 2022, p. 100. Diz quem sabe que este livrinho terá sido escrito lá pelos idos de 300 a.C.

quinta-feira, 3 de abril de 2025

DE MÁ CONDIÇÃO

 


Calhou assim, não foi propositado. Chegou-nos ontem, Dia Mundial da Árvore e da Poesia, este segundo volume da Colecção Insónia. O primeiro foi "A Dança das Feridas". Esperámos 13 anos por ele, eu, a Maria João Lopes Fernandes e o Pedro Serpa.
 
Tal como aconteceu no passado, também deste volume não farei apresentações públicas nem distribuição pelas livrarias. Trata-se de uma edição única, minha e da Maria João - autora das pinturas na capa e no interior, originais concebidos para este efeito -, que em nenhuma circunstância deverá ser objecto de qualquer reedição.
 
Quem tiver interesse num exemplar, poderá contactar-nos, a mim ou à Maria João, por Messenger (Facebook, Instagram) ou email. O meu email é fialho.henrique@gmail.com. O valor de capa, com portes incluídos, é 10€. São 78 poemas e 9 reproduções de pinturas da Maria João Lopes Fernandes. O design e a composição é do Pedro Serpa.
 
Em memória de minha mãe, Clarisse Maria Tavares Bento.
 
Saúde.

terça-feira, 1 de abril de 2025

CARTA A ERIC WALKER

 
Aqui, no reino da mediocridade
a ignorância é método
o preconceito é ciência
e a hipocrisia religião

De joelhos, os guardiões do templo
tiram retratos boçais
que partilham em rede
para gáudio de velhos tiranos
ressuscitados por todo o lado

Somos estrelas
nesta pop globalizada
que o grande irmão vigia
Estrelas decadentes
de impérios à deriva
guiados por oligarcas
empreendedores
multimilionários
a salvo do fisco
e do sono dos justos

Adormecidos, os humilhados
e os ofendidos assistem
impávidos e serenos
ao levantamento dos mortos
que da América à Turquia
dão lustro à barbárie

No reino da mediocridade
andamos todos satisfeitos
por termos milhares de amigos
com quem podemos partilhar
gostos e não mais do que gostos
quando a fome aperta
e a sede nos empurra para festas
feiras e festivais

Isto aqui vai indo num contentamento
já nem descontente nem com tento
Tudo tão influente
que até parece rico
a bem da indústria dos ansiolíticos
e do tráfico de indulgências

Epifânio Carmino, "Epístolas".

DOMESTICADORA DE GIRASSÓIS

 


Os 14 contos de Domesticadora de Girassóis, mais extensos do que é habitual neste autor, exploram universos fantasmagóricos com personagens que tentam equilibrar-se entre o real e o imaginário. O que há de anómalo e de paradoxal nas situações recriadas encontra na multiplicidade formal, que vai da ficção narrativa ao poético, da crónica ao drama, do relato autobiográfico à prosa ensaística e ao diário, vias de expressão para seres cuja existência está em permanente conflito com um mundo onde a separação entre caos e ordem perdeu qualquer sentido.

236 páginas
Maio de 2024
 

Venda directa – pedidos para: companhiadasilhas.lda@gmail.com
 
Também disponível 

na Snob: https://www.livrariasnob.pt/product/domesticadora-de-girassois ;





segunda-feira, 31 de março de 2025

UM POEMA DE ERIC WALKER

 


VERDE
 
Quando pensamos em cores, quando respiramos magia
consumimos natureza, conjecturamos,
olhamos para o talismã que nos fará bem.
O mesmo acontece com a política “verde”.
Por todo este país há uma floresta,
uma raiz verde,
não ideais que nos encurralem num paradoxo cego,
mas um movimento de erva que se alastra como um incêndio florestal
por todo o território.
A nossa Mãe é verde, verde é a Terra,
o verde cresce no meio do pó.
Canção verde do início da Primavera, o caule
e o carpelo são verdes, pétalas verdes
da flor mais silvestre de todas
as maçãs da mãe reinetas maduras e verdes,
numa tarte que é toda ela americana
emergindo da própria terra,
pessoas de t-shirts verdes, angariando assinaturas
num boletim verde.
O mundo recupera os sentidos,
já não vê vermelho.
Há trepadeiras a crescer sobre silos de cimento.
Um tufo de amoras cresce ao lado de uma central nuclear.
Ao longo de instalações devolutas de companhias eléctricas há cavalos e ovelhas a pastar
na terra verde
a América é verde.
Vota verde.
A floresta verdejante está de olho em nós.
Nós invadimos a natureza selvagem.
Com as nossas armas vimos apenas o pesadelo deste mundo.
Uma temporada negra num mundo negro onde a memória colapsou
Lembra-te da nossa Mãe verde, a Terra ama o verde.
Azul o céu e verde a erva.
Não podemos continuar a seguir Hitler.
A terra gira na sua órbita verde.
 
Eric Walker, in Poemas Escolhidos, trad. António Gregório, intr. Raymond Foye, posf. Neeli Cherkovski, capa de Francesco Clemente, Barco Bêbado, Setembro de 2023, p. 63. Da Introdução, Eric Walker (1964-1994): «Aprendi a poesia a partir da observação da natureza», escreveu. O desequilíbrio ecológico é uma das maiores preocupações da sua poesia, e no seu último ano, ou talvez dois últimos anos de vida, tornou-se na sua principal preocupação, após ter assistido à destruição horrenda das mais antigas florestas de sequóias da Califórnia.

domingo, 30 de março de 2025

QUATRO QUARTETOS

 

Depois da tradução de Gualter Cunha para a Relógio D’água em 2004, eis-nos de novo perante os Quatro Quartetos de T. S. Eliot, agora numa tradução de Vergílio Alberto Vieira para a Companhia das Ilhas. N.º 4 de uma nova chancela, os livros Nanook, que dificilmente poderia ter melhor arranque. Originalmente publicados em 1943, os Four Quartets são um desses momentos nucleares na história da poesia que se aventura a pensar o essencial erigindo o seu próprio mito da criação. O que Eliot nos propõe nos quatro poemas do conjunto, cada qual dividido em cinco partes a que podemos dar o nome de actos, é uma cosmogonia da modernidade, concebida entre os destroços ainda fumegantes da II Grande Guerra. A epígrafe de Heraclito reenvia-nos para esse tempo de reflexão acerca não só da criação do mundo, mas do Tempo enquanto motor da História, do lugar do homem nessa engrenagem transformadora da paisagem, metamorfose que impele uma reflexão acerca do princípio e do fim, dos ciclos da natureza, dos mitos da regeneração, da morte que se faz vida que tende para a morte. Poema filosófico, na tradição dos grandes clássicos, mas já com essa pulsão moderna que dramatiza o humano no palco da ruína:
 
I
 
O tempo que passou e o tempo que vem
Talvez estejam presentes no devir do tempo
E o tempo ainda por vir no tempo que passou.
Se todo o tempo é, pois, o tempo todo
Todo o tempo é nada
Todo o tempo é ninguém.
O que pudera ter acontecido não ocorreu
Continuando a ser imutável permanência
Num mundo improvável.
Já o que podia ter sido e o que veio a ser
Convergem para um único fim, infinitamente presente.
 
(in Burnt Norton)
 
No poema de Eliot ressoam os sete princípios herméticos, a filosofia imiscui-se com uma ancestral tradição poética — «In my beginning is my end» / «In my end is my beginning» — de renegação da própria poesia enquanto salvação — «The poetry does not matter» — porque tudo tem a morte por fim e «é do fim que se parte», a eternidade subsume-se na vivência do momento que é, ele mesmo, agregador de toda a História. O Universo cabe numa semente. Na semente está o mundo, o presente participa do passado e do futuro, «A única ciência pela qual vale a pena lutar / É a da simplicidade: a humildade é infinita.» Curioso como nesta leitura oferecida pela tradução de Vergílio Alberto Vieira vem mais à tona, com clareza inusitada, a estrada larga de Walt Whitman enquanto princípio fundador de uma poesia anglo-saxónica empenhada em cogitar o lugar do homem no mundo, nesse mundo que é tanto o das construções humanas como o das suas destruições, processo plasmado, desde logo, na imagem da cidade que transforma a paisagem através da devastação da Natureza. Há uma ética subjacente ao poema de Eliot que mergulha a humanidade no leito das águas correntes, a água que corre no rio de Heraclito não é diferente dos povos que circulam na estrada larga, tudo flui para um fim que é começo, o dissídio é a força que se afirma na convergência, tal como em Empédocles o Amor e o Ódio, ou a Discórdia, se explicam um ao outro enquanto motores da História:
 
III
 
Três condições não raro se entretecem
Apesar de nada se parecerem, e na sebe vicejarem:
Amor-próprio e abnegação às coisas e pessoas, desamor
Por si, e pelas coisas e pessoas; e entre ambas, nascendo, indiferença
Com as demais identificando-se como a morte à vida,
E que entre duas vidas cabe — incapaz de florir entre
A urtiga viva e a morta urtiga.
 
(in Little Gidding)
 
Mais sobre Eliot aqui: Prufrock and Other Observations, apontamento biobibliográfico, um poema, citação de uma conferência, mais uma citação, um artigo sobre duas paixões de Eliot.

quinta-feira, 27 de março de 2025

QUATRO TESES DE ALBERTO PIMENTA

 


1.
O poeta
pergunta,
mesmo quando
responde.

2.
O social
responde,
mesmo quando
pergunta.

3.
Quando o social
é a ideologia,
o poeta
é a utopia.

4.
Quando o social
é a utopia,
o poeta
é a ideologia.

(...)

Alberto Pimenta, in O Poeta e o Social. 40 teses seguidas de exercício para mestres e mestrandos e Os Portugueses Nunca Comungaram do Ideário Marxista - Instalação de Palavras em 6 Capítulos, Saguão, Abril de 2024.

CALADOS, ERAM POETAS

 
Infelizmente não é mentira: os Anjos quebraram o silêncio. E o Boaventura também. Um mal nunca vem só.

quarta-feira, 26 de março de 2025

JACARANDÁS

 


Hoje queria ter-me sentado a teu lado
mais ainda por ter-te visto aí sozinha
enquanto nas auto-estradas da ataraxia
choviam gostos sobre o teu gesto
 
Fiquei com vergonha de mim e dos meus
sentindo-me cada vez mais zombie
quando de frente para o mar
ou junto à campa da minha mãe me pergunto:
que faço eu aqui?
 
Acredita que desejei profundamente
sentar-me sob essas sombras trasladadas
a partilhar talvez um cigarro ou versos
ou palavras soltas sobre o tempo
que nos devora pela raiz
 
Também eu permaneci quieto
rodeado de livros
a viajar de um mictório até Shakespeare
coisas em que me meto ou me metem
não sei bem
 
Quero pedir-te perdão
mesmo não crendo em indulgências
e absolvições e expiações de pecados
 
Merecias que alguém estivesse a teu lado
um pelo menos desses 50 mil indignados
tão inócuos como lágrimas de crocodilo
transformado em carteiras e botas
saldadas num shopping onde porventura
estaria ocupada a multidão silenciosa
que te deixou sozinha
sentada sobre um monte de lama

terça-feira, 25 de março de 2025

PEIXEIRADA

 
José Rodrigues dos Santos, que anda há décadas a vender a banha da cobra a leitores que estão para o romance como os eleitores madeirenses para a seriedade, quis ter ontem o seu momento zénite diante o Secretário-Geral do Partido Comunista Português. Já o tinha feito com Marta Temido, recentemente, e noutras ocasiões que não vale a pena recordar. É useiro e vezeiro neste tipo de situações, tanto ele como o inenarrável Adelino Faria, duas criaturas no serviço público de informação que nunca estiveram à altura das suas responsabilidades. Não vale a pena puxar-lhes as orelhas com insultos nas redes e queixinhas a ERCs que para nada servem. A solução é simples, com aqueles dois não se fala porque não é possível falar. Só se ouvem a eles próprios. Portanto, que fiquem a falar sozinhos. Quem lhes dá emprego é que está mal. Querem peixeirada, vão vender peixe.

segunda-feira, 24 de março de 2025

CAMINHOS

 


Pelos caminhos onde as pedras ganhavam raízes e no mar semeávamos ilusões fui dar aqui, onde em tempos os dias pareciam menos frios. O que outrora eram ruínas foi objecto de requalificação, mas do lado em que fomos felizes tombaram muros, fundiram lâmpadas, pereceram raízes. Talvez assim seja para que possa medrar a esperança de no futuro também a nossa felicidade vir a ser objecto de obras de requalificação. Até lá, que a terra seja engolida pela fúria das águas é hipótese que não deve entristecer-nos.

domingo, 23 de março de 2025

A GENTE

 
Quando alguém desabafa
sobre os seus problemas
a gente escuta
Quando alguém narra
histórias por que passou
a gente ouve
Quando alguém se propõe
discutir soluções novas
para problemas antigos
a gente participa
Quando alguém tagarela
e opina e julga e ajuíza
e se desfaz em considerações
inócuas sobre o fim do mundo
e a decadência dos povos
a gente enche-se de saudade
dos melros na berma do rio
e afasta-se em busca de silêncio
 
Kazuyoshi Matsubara
(Tradução de Juraan Vink)

sábado, 22 de março de 2025

SONDAGENS

 
"Uma pessoa olha para as sondagens e não acredita", diz Amélia. Acredite, Amélia, porque isto não tem nada que saber, nascemos corruptos, crescemos amorais e morremos cheios de virtudes. Portugal é, sempre foi, e não consta que venha a ser outra coisa, um país de favorzinhos, amigos de seus amigos que desenrascam amigos, país de chicos espertos. Isaltino Morais foi eleito na prisão e por aí anda a fazer vídeos sobre rotundas e distribuir comentários na TV, Albuquerque prepara-se para ter maioria absoluta e Montenegro cavalgará a onda. As pessoas não querem saber de truques porque vivem de truques, são iguais, sentem-se legitimadas e desculpadas quando aproveitam a cunha na junta de freguesia, nos serviços camarários, na bicha do hospital, no banco & etc. Andámos anos ajoelhados no beija-mão a Berardo, oferecemos maiorias a Sócrates e Cavacos e tecnoformas e submarinos. Enfim, somos sensíveis a licenciaturas por correspondência e plágios porque não é Doutor quem quer. Isso nem pensar. Mas em sendo, pois que não seja parvo e desça ao nível da realidade genérica e genética: está no adn português, os obséquios, as mercês, os favorzinhos, as amabilidades, as simpatias, os amiguismos. Tudo isto com sentido crítico e doutoramentos em axiologia e ética, que servem, bem sabemos, para passarmos por quem não somos neste reino da hipocrisia.

sexta-feira, 21 de março de 2025

O ÊXTASE DO MAL

 
O que é que a Fátima Campos Ferreira de plantão no Vaticano, os repórteres no meio dos incêndios e das tempestades e as bichas de trânsito nas vias de circulação inversas aos acidentes têm em comum? A tragédia, a necessidade da tragédia, esta ânsia de que algo corra mal para podermos dizer que vivemos o horror. Ó desgraça, o que seria de nós sem as dores que nos excitam?

quinta-feira, 20 de março de 2025

DEVASTAÇÕES

 


No Jornal da Tarde fale-se de Lisboa como uma cidade devastada pelo temporal. Tenham noção.

ATERRO DA LIBERDADE

 


Terra da liberdade, guardião da democracia, líder mundial na luta por um mundo mais justo, dizem eles enquanto nos tentam vender a banha da cobra. Eis mais um exemplo de liberdade na terra dos sonhos:

"A minha detenção foi uma consequência directa do exercício do meu direito à liberdade de expressão, ao defender uma Palestina livre e o fim do genocídio em Gaza, que foi retomado com força total na noite de segunda-feira", disse numa declaração escrita ao diário britânico The Guardian, descrevendo-se como um “preso político”.

quarta-feira, 19 de março de 2025

GENOCÍDIO EM DIRECTO

 


Israel prossegue com o genocídio do povo da Palestina. Na imprensa portuguesa as centenas de vítimas das últimas horas têm menos eco do que a troca de mensagens numa rede social entre Lili Caneças e o neto de sapateiro. Vivemos enterrados nesta ignomínia.
 
No artigo do The Guardian lê-se:
 
"A campanha israelita matou mais de 48 mil pessoas e reduziu grande parte do território a ruínas. Noventa por cento das casas estão danificadas ou destruídas e grande parte da população está deslocada. Estradas, hospitais, escolas, sistemas de saneamento e muito mais foram reduzidos a escombros."
 
Perante isto, não há anti-semitismo que escude a hipocrisia. O porco Netanyahu não merece apenas morrer, merece ser torturado à moda medieval.

terça-feira, 18 de março de 2025

EMPRESAS

Ontem percebi finalmente, ao ver a entrevista de João Adelino Farinha (sic) ao neto de sapateiro, que para se estar na política não se pode ter um pai, uma mãe, um tio, um avô, um primo, um padrinho, um filho, uma neta, uma afilhada, etc, empresários. Nada de empresas na árvore genealógica, só carreirismo imbecil em máquinas partidárias. Que, por acaso, também são empresas.